Canto dos contos

Do subsolo ao arranha-céu

Escrito por Brunno Lopez

Enquanto as portas do elevador se fechavam quase na mesma velocidade que seus olhos, tentou se lembrar de algum motivo que fosse forte o bastante para tê-la trazido aqui em mais um ato de perdão e completo assassinato de amor próprio.

Os dedos ainda trêmulos procuravam o número do último andar. E enquanto as portas do elevador se fechavam quase na mesma velocidade que seus olhos, tentou se lembrar de algum motivo que fosse forte o bastante para tê-la trazido aqui em mais um ato de perdão e completo assassinato de amor próprio.

Seria apego pelos já longínquos bons momentos? Era um receio secreto de se ver mais uma vez transportando sua escova de dentes de volta para seu apartamento? Era um cansaço de ter que recomeçar todos os protocolos de relacionamento?

À medida que as interrogações se multiplicavam pelas paredes da sua mente, sentiu uma gota salgada tocar seu lábio inferior e despencar até a ponta de seus sapatos. Após tanto tempo ostentando sorrisos e dias ensolarados, sua consciência parecia pronta para desidratar e tentar enviar uma mensagem úmida para a parte inteligente de seu órgão cardiovascular.

Se antes suspirava, agora soluça. Os andares vão passando, e ela, transbordando.

As fotos coloridas de sua galeria desbotam digitalmente. A admiração que carregava por quem a espera acima está no subterrâneo. 

Sequer conseguiu ouvir o som indicando o fim da linha, pois o coração batia escandaloso. Mas não era um símbolo de apreensão ou desespero. Era seu corpo reencontrando seu próprio valor e gritando para comemorar a retomada do controle de si mesma. 

Lágrimas fazem muito mais do que temperar a alma.
Elas enchem os olhos e tiram a maquiagem para que apareça a vergonha na cara.

Sobre o autor

Brunno Lopez

Um ilustrador de palavras que é a favor de tudo que é do contra. Um publicitário que não faz propaganda.
Um otimista aposentado que dá um tapa nas costas da vida enquanto o resto do mundo a empurra existência abaixo.
Um compositor de letras cotidianas sob um violão desafinado.
Um desenhista de verbetes que tem muitas certezas sobre as próprias dúvidas e acredita que o amor não passa de um tapete mágico que sobrevoa as misérias humanas.