Canto dos contos

O verdadeiro ensaio sobre a cegueira

Escrito por Patrícia Librenz

Quando o pior cego é o que não quer ver.

O ano era 1998. O lugar, um município qualquer no interior do Rio Grande do Sul. Joel era candidato a vereador e estava fazendo um de seus passeios eleitoreiros pelo comércio da pequena cidade. Era um empresário conhecido e agora decidira entrar para a política. Joel entrou na loja de Adão Maia, seu conhecido de longa data.

_ O que houve que andou sumido? Nunca mais te vi por estas bandas! – disse Adão ao aspirante a político.

_ Tu não ficou sabendo?

_ Sabendo do quê?

Foi então que Joel contou a Adão a triste história de sua trágica cirurgia oftalmológica. Ele estava com catarata e precisou realizar uma cirurgia. Mas, devido a um erro médico, ficara praticamente cego. Durante quase uma hora, Joel relatou como estava sendo sua vida após a perda da visão.

_ Perdi a graça de viver! Não consigo ler mais nada, não posso ver um filme; sequer reconheço uma pessoa que está à minha frente sem ouvir sua voz, só vejo vultos. Vou processar essa médica! Não posso fazer mais nada, dependo sempre dos outros para tudo, estou praticamente cego!

Comovido após essa triste narrativa sobre a cegueira, Adão mal podia achar as palavras certas para consolar o amigo. Consternado, com os olhos marejados, Adão apenas pôs uma das mãos sobre o ombro de Joel, deu dois tapinhas e disse:

_ Não há de ser nada… você vai superar isso! Ademais, pode contar com o meu voto!

Matias, funcionário da loja de Adão, gritou de trás do balcão:

_ Com o meu também, Seu Joel.

Joel agradeceu a generosidade dos dois. Despediram-se e o candidato foi em direção a um carro, estacionado do outro lado da rua. Adão e Matias ficaram surpresos, pois não havia mais ninguém dentro do carro. Joel entrou pela porta do motorista, deu a partida no motor, fez o retorno na rua e seguiu fazer sua campanha…

Adão olhou para Matias e disse, estupefato:

_ Bah, mas eu não acredito nisso!

O vendedor só assentiu com a cabeça e respondeu ao chefe:

_ O que é a tecnologia, né?! Depois que inventaram a máquina de debulhar milho, não parou mais…

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.

2 comentários

    • Exatamente! É um divisor de águas na história da (r)evolução tecnológica!
      Só tenho minhas dúvidas se o cara de fato tinha um carro que andava sozinho, ou se ele dirigia mesmo sem enxergar muita coisa… ou se era malandro pra caralho e não estava tão cego assim… nunca saberemos!

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