Crônico Repórter

O psicopata da picape preta

Escrito por Patrícia Librenz

O trânsito nunca foi um lugar amigável. E trafegar pelas nossas cidades fica mais difícil a cada dia.

Eu gostaria que isto fosse apenas mais um dos meus contos, mas infelizmente é um relato. Em fevereiro deste ano, eu sofri uma tentativa de agressão dentro do meu próprio carro – e demorei todos esses meses para conseguir escrever sobre isso sem me emocionar.

Naquele dia, meu marido estava na faculdade e eu, que estava de férias, havia agendado um serviço automotivo. Saindo da BR para entrar em uma rua marginal, a preferência, obviamente, é de quem está na BR. Qualquer pessoa com um mínimo de inteligência ou conhecimento básico sobre o CTB sabe que não faz sentido um carro ter que parar no meio de uma rodovia federal para dar a preferência para um carro que está circulando pela marginal. Mas, como bom senso é algo que está em extinção, é claro que eu me deparei com uma pessoa sem o mínimo de inteligência e conhecimento sobre as leis de trânsito.

O indivíduo, dirigindo um camionetão preto, não me deu a preferencial, me obrigando, assim, a reduzir a velocidade em plena BR-277, fazendo com que eu assumisse o risco de algum outro carro bater na minha traseira. Tomou-lhe uma buzinada! Nesse momento, ele olhou pra dentro do meu carro e parou um pouco antes do próximo cruzamento. Ficou parado no meio da pista, me obrigando a parar para não passar por cima dele. O vidro do carona estava aberto e ele já se aproximou aos gritos.

_ O que foi, sua v***, o que foi? Por que você buzinou pra mim, sua p***?
_ Senhor, tem uma placa ali escrito “PARE”! A preferência era minha!
_ Ah, tem uma placa, é?? Tem uma placa???? Eu vou te mostrar o que eu faço com essa placa!!!

Nessa hora, pela janela do veículo, ele colocou o dorso completamente dentro do meu carro e tentou me agredir. Desferiu vários socos em direção ao meu rosto. Para minha sorte, o homem tinha baixa estatura, então seus braços não alcançavam a minha cabeça, que nessa hora estava colada do outro lado do carro. Assim, nenhum soco me atingiu. Frustrado por não conseguir me espancar, ele começou a dar pontapés no pneu do meu carro e bateu na lataria do capô – enquanto batia no veículo, ele continuava me xingando, usando nomes de várias fêmeas de mamíferos e nomes pejorativos de uma profissão a qual nunca pratiquei.

Eu estava em choque e fiquei totalmente paralisada! Não consegui ter nenhuma reação. Ninguém que passou pelo local tentou interferir na situação para me ajudar. Vários carros que passavam por ali até reduziram a velocidade para ver o que estava acontecendo, mas ninguém fez absolutamente nada. Quando percebi que, por alguns instantes, minha integridade física não estava mais comprometida, pois o foco da raiva agora era o veículo, eu simplesmente acelerei com tudo e saí dali voando. Por uns cinco minutos, fiquei apreensiva, olhando mais para o retrovisor do que para a frente. Estava com medo que ele viesse atrás de mim e, se o fizesse, meu destino certamente seria a delegacia.

Deixei o carro para o serviço ser executado e chamei um motorista de aplicativo para voltar para casa. No caminho, comecei a contar o fato ao meu marido, pelo WhatsApp. Enquanto conversava com ele, tive uma crise de choro. Parece que a minha ficha caiu nessa hora e eu comecei a chorar compulsivamente. Chorei por horas e tive medo de voltar ao centro para pegar o carro. Tive medo de voltar a dirigir. Todas as vezes que passo por aquele cruzamento eu irei lembrar disso.

Registrei BO (os detalhes sobre como a Polícia Civil negligenciou e banalizou essa ocorrência são temas para um próximo capítulo) e meu marido ficou dias atrás de imagens de câmeras, sem sucesso. A única câmera que flagrou alguma coisa estava posicionada de forma que não era possível identificar a placa do carro e o motorista. Apenas a cor e o modelo: uma Hilux preta.

Eis que, dias depois, quando eu já havia voltado ao trabalho, estava contando sobre o esse fato, e minha amiga e colega Mayara Godoy relembrou um episódio, mais ou menos um mês antes do meu, no qual ela sofreu uma perseguição no trânsito. Algumas “coincidências”: o motorista também estava em um “camionetão preto”, a situação com ela aconteceu no bairro onde trabalhamos (muito perto do trevo onde ele me atacou). As coincidências não param por aí: alguns dias depois da intimidação que ela sofrera no trânsito, um colega de trabalho nosso testemunhou, no mesmo bairro, “um cara numa Hilux preta” perseguindo uma mulher em uma Biz. Fazendo o mesmo que fez com minha amiga – gritando, acelerando, “colando” na traseira da motocicleta, xingando e provocando.

Devido ao padrão de comportamento, típico de macho escroto (observe que, nas três histórias, as vítimas são mulheres), à semelhança dos relatos, ao tipo e à cor do carro, à região da cidade onde os três fatos ocorreram, chegamos à conclusão de que é muito provável que os três atos tenham sido praticados pela mesma pessoa. “Não temos provas, mas temos convicções”.

O pior é que esse tipo de gente age assim porque tem certeza da impunidade. Durante o atendimento que recebi na delegacia, ainda fui obrigada a ouvir que “eu deveria esquecer essa história”, afinal, “não havia acontecido nada comigo” e que “é provável que seja apenas uma pessoa de bem em um dia ruim”.

Infelizmente, parece que estamos vivendo em tempos em que não importa mais o certo e o errado; não existem mais o respeito e a boa convivência. Impera a violência, a cultura da força e de quem fala mais alto.

E cuidado com uma Hilux preta em Foz do Iguaçu.

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.

Comente! É grátis!