Canto dos contos

O Chamado – Parte 3

Escrito por Guilherme Alves

Nossa história lovecraftiana em quatro partes está chegando a seu fim; mas antes, um encontro inesperado.

ATENÇÃO! Esse não é um conto inteiro, e sim a Parte 3 de uma história maior. Se você ainda não leu as Partes 1 e 2, tenho uma boa e uma má notícia. A má é que você não vai entender nada. A boa é que ainda dá tempo! Clique aqui para ler a Parte 1, e aqui para ler a Parte 2.

Assustado com a visão de tal horror, corri na direção contrária, sem me lembrar de que assim me embrenharia cada vez mais na floresta. As imagens de meus sonhos voltavam à minha mente, me atemorizando. O morro pulsante. A luz. O morro “chocando”. A Criatura. Por qual razão insana haveria uma estátua desta mesma Criatura naquele ponto? Que força sobrenatural havia me levado até lá?

Correndo aterrorizado, caí num buraco.

Ao chegar ao fundo, me dei conta de que não era um buraco, mas sim um barranco. Melhor que fosse um buraco, pois talvez assim não tivesse visto o que vi. Uma espécie de templo, como aqueles dos incas ou aztecas. Algumas “pessoas” andavam ao redor do templo. Senti uma picada no braço, talvez uma cobra, ou um inseto. Tudo escureceu novamente.

Acordei algum tempo depois, embora desejando que isto jamais acontecesse. Melhor dormir eternamente a presenciar o que vi.

A sala onde estava me lembrava um daqueles salões de sacrifício de filme B. Mas poderia ser também uma sala médica, ou coisa parecida. À minha volta estavam várias criaturas, horrendas misturas de primata e lagarto. Meu corpo estava paralisado, o que impedia que eu olhasse para baixo, mas tinha certeza de que, se pudesse olhar seus pés, descobriria que um deles era o responsável pela pegada que me levara a tudo isso.

Como estava paralisado, não conseguia falar. Mas podia ouvir. E uma das horrendas criaturas se dirigiu a mim, com uma voz que não lembrava nenhum outro som do planeta. Ainda assim, era inteligível, e pude compreender o que dizia:

Seja bem-vindo, humano, embora não fosse de nosso desejo que estivesse aqui. Nossa sociedade é muito antiga, mais antiga do que pode imaginar. Sua civilização foi construída sobre as ruínas da nossa, devastada por uma grande guerra, embora alguns de nós tenham conseguido resistir até os dias de hoje, sempre escondidos, longe dos olhos de sua gente. Por quê? Porque somos “monstros” para sua raça, não nos compreenderiam, tratariam-nos como animais, ou desejariam nos exterminar, pois é típico de sua espécie destruir aquilo que não compreendem.

Durante cem séculos vivemos escondidos, com apenas um ou dois acidentes, um ou dois humanos intrometidos que descobriram uma de nossas cidades. Raramente nos aventuramos fora de nosso território, pois, além de não haver motivos para isso, não queremos denunciar nossa presença.

Sim, a pegada. Está pensando em por que a deixamos. Foi involuntário. Um dos humanos intrometidos que tiveram contato com nossa civilização, há muitos anos, foi mantido prisioneiro. Um erro. Ele conseguiu fugir de seu cárcere, e acabou por escrever um livro que pode por em perigo nossa civilização. Ele foi recapturado e morto, mas o livro jamais havia sido encontrado. Há alguns meses, um de nossos “agentes” infiltrados em sua sociedade descobriu que nosso ex-prisioneiro havia, antes de morrer, passado o livro para outro humano, e este no momento se encontrava em uma antiga casa. Tentamos fazer com que parecesse um acidente, para que o portador do livro fosse morto, e o livro, destruído.

Mas o humano fugiu, e, novamente, passou o livro para outro humano. Assim o perdemos de vista. Até esta semana. Um de nossos agentes encontrou o livro, mas ele havia sido repassado para outro humano. Você. Por coincidência, o mesmo humano que viu a pegada que um de nossos agentes, distraídos, deixou ao esquecer de assumir “a outra forma” antes de sair de nossa cidade.

Sim, humano. Alguns de nós, através de engenharia genética, podem assumir a forma de sua espécie. É interessante para nós mantermos agentes, para resolver problemas que poderiam levar ao descobrimento de nossa raça. Alguns de seus amigos mais próximos podem ser de nossa raça sem que sequer desconfie. Aterrorizado? Pois saiba que existem muito mais coisas em seu mundo do que julga conhecer.

O livro, por exemplo. Aquele livro não é para sua compreensão. Sua simples leitura altera o cérebro de vocês, frágeis humanos, revelendo coisas que não deveriam saber.

Esta é a razão de sua presença aqui. Precisamos saber onde pôs o livro, para que o recuperemos, bem como a qualquer evidência de nossa existência que tenha coletado. E não se preocupe de não querer falar conosco. Não somos os selvagens que imagina. Nossa tecnologia é capaz de extrair a informação de que precisamos sem que sequer abra a boca.

Então, ele se calou. E algo em meu íntimo não gostou nada nada do que tinha acabado de ouvir.

Este texto conclui semana que vem.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

1 comentário

Comente! É grátis!