Crônico Repórter Relatório de Evidências

Fui “uber” por uma hora

Escrito por Patrícia Librenz

Ela viveu na pele, durante uma hora, o que muitos motoristas profissionais vivem diariamente, várias vezes ao dia. E o resultado disso foi este relato.

Este relato faz um contraponto com o livro “Memórias de um motorista de aplicativo”, no qual o Wilton conta o lado bom que ele enxerga sendo motorista em Londrina. Não sei se o problema está em mim, na minha cidade, nos passageiros que transportei ou no meu ponto de vista e irredutibilidade acerca da segurança, mas, infelizmente, eu não tive uma experiência bacana como as que o Wilton narra em seu livro. 

Meu marido é motorista em Foz do Iguaçu e, eventualmente, os clientes o chamam fora do aplicativo para uma corrida ou outra. E foi assim que eu vivi na pele o que é ser “uber”. Durante menos de uma hora, essa experiência me marcou e me ensinou muito sobre empatia, consideração e respeito com esses profissionais (e hoje entendo por que meu marido faz tanta questão em vender nosso carro e parar com esse trabalho). Eu já reclamei de motoristas aqui, que fazem as vezes de DJ. Mas hoje estou do outro lado.

Era uma madrugada de sábado, estávamos em casa, nos preparando para ir dormir. O celular soou e o Luiz foi ver quem era. Era um pedido de corrida pelo WhatsApp, saindo de Foz do Iguaçu para Ciudad del Este. Como existem muitos brasileiros aqui que estudam Medicina no Paraguai, muitos deles moram do outro lado da fronteira e, como os aplicativos tradicionais (Uber, 99, Garupa) não permitem viagens internacionais, existe uma demanda reprimida para atender esse público, que procura diversão em Foz do Iguaçu. 

Porém, havia um problema: eram cinco passageiros. Meu marido foi categórico: “Meu carro tem capacidade para quatro além do motorista, não tem como transportar passageiro sem cinto…” (guardem bem essa informação). Elas continuaram procurando (eram cinco meninas), mas ninguém quis aceitar a corrida (óbvio, né? entrar no Paraguai com 6 pessoas em um único carro é multa na certa!). Diante da insistência, ele me fez uma proposta para conseguir atender às meninas: levaria uma na moto, com ele pilotando, e eu levaria as outras quatro no carro. E eu topei. Só não me arrependi amargamente porque, graças a isso, tenho mais uma história para contar aqui… 

Os problemas começaram assim que chegamos ao endereço informado: a localização estava errada. Ele ligou para a cliente e então ela percebeu que, possivelmente, devido ao sinal ruim na internet, a localização acabou ficando três ruas depois. Informou o nome da rua correta e andamos mais uns 800 metros até chegarmos ao local certo. Era uma casa onde estava acontecendo uma festinha. Mesmo sabendo que estávamos chegando, ninguém nos aguardava do lado de fora e as pessoas, apesar de verem que tinha um carro e uma moto parados no portão, não fizeram absolutamente nada. Depois de um tempinho, um sinal com as mãos pedia para aguardarmos mais um pouco. 

A minha paciência ia diminuindo de forma diretamente proporcional à demora e falta de bom senso das passageiras, que começaram, lentamente, a levantar e se despedir dos amigos. Sem nenhuma pressa. Eu assistia àquilo perplexa, pois só chamo um carro no aplicativo quando já estou pronta e, antes mesmo dele chegar, já estou esperando do lado de fora do portão. Depois de mais de cinco minutos esperando as madames se despedirem, elas começaram a vir em direção ao carro, em passos de tartaruga (não estou exagerando!)… quando chegaram ao portão, uma delas se deu conta de que estava sem sua mochila e voltou para procurar. As demais passageiras, em vez de entrarem no carro para agilizar o embarque, ficaram conversando e bebendo do lado de fora. Possessa, desliguei o motor do carro, afinal, a gasolina está cara. Mais uns cinco minutos de espera até a garota encontrar a mochila perdida na festa. 

Todas, sem exceção, estavam bêbadas, e algumas estavam com latinhas de cerveja na mão, prontinhas para embarcar com a bebida. Baixei o vidro e pedi que, por gentileza, não entrassem com bebida no meu carro. Então, como ninguém ali tinha pressa (nem bom senso), elas ficaram mais um pouco do lado de fora até secar as latinhas – que foram jogadas na rua! 

Vocês já podem imaginar como eu estava fervendo a essa altura. Respirei fundo, contei até dez, esperei todas entrarem no carro, dei a partida e perguntei: “Estão todas de cinto?. A moça da mochila – que estava com raivinha porque eu não a deixei entrar com a latinha de cerveja no carro – respondeu: 

_ Eu, não!
_ Então, coloque o cinto, por gentileza.
_ Não, eu não quero colocar o cinto!
As outras riram… Eu, ainda na educação, falei:
_ Moça, eu não transporto passageiro sem cinto, ok? Então, por favor, coloque o cinto.
_ A segurança é algo individual de cada passageiro, você não pode me obrigar a colocar o cinto!  – ela respondeu.

Eu, que já estava com raiva de toda a situação, senti que, nessa hora, meu sangue ferveu. Em tom de ironia e com um sorriso maligno nos lábios, falei:

_ Então, moça… posso ser bem sincera contigo? A verdade é que eu não estou nem aí pra tua segurança! Eu estou preocupada COM A MINHA SEGURANÇA! Porque, no caso de uma colisão frontal, o passageiro de trás esmaga o da frente… e eu não quero morrer esmagada! E, apesar da tua convicção, o cinto não é um fator de segurança OPCIONAL, não, ele é de uso obrigatório… em caso de blitz, quem leva a multa SOU EU!
_ Ah, tá bom, EU PAGO A MULTA TÁ?????
_ Mas não é só o valor da multa, meu anjo… os pontos vêm NA MINHA CARTEIRA, não na sua!
_ Tá tá… já entendi! Então, quando a gente chegar na Aduana, eu coloco o cinto, tá bom?

Nessa hora, eu parei o carro e, enquanto puxava o freio de mão, disse:

_ Não! Não tá bom! OU VOCÊ COLOCA ESSE CINTO, OU PODE SAIR AGORA DO MEU CARRO! a Patizinha paz e amor mandou lembranças!

Aí uma das amigas dela me respondeu o seguinte:

_ Credo, moça! Que horror! Parece até que tu está fazendo um favor pra gente… A GENTE ESTÁ PAGANDO!
_ Não é porque vocês estão me pagando que vocês podem fazer o que bem entenderem… este carro é meu e quem manda aqui sou eu! Que parte de “eu não transporto passageiro sem cinto” vocês não entenderam??? Ou todo mundo coloca o cinto, ou todo mundo fica na rua!

Diante disso, ela resolveu colocar o cinto. Seguimos viagem e, por uns cinco minutos, ficou um silêncio constrangedor dentro do meu carro, silêncio que só foi quebrado quando passamos pela Aduana paraguaia e um dos funcionários parou o carro e assediou todas nós. Quando fechei o vidro, esbravejei um: “Nossa, que nojo!”. 

Nessa hora, a mesma moça que reclamou por eu estar exigindo que a amiguinha usasse cinto de segurança e me falou que elas estavam pagando pelo serviço e não me pedindo um favor, disse: “Ele faz isso porque só tem mulher no carro, se tivesse UM HOMEM, eles não fariam isso… ninguém respeita mulher neste país!”. Foi então que eu fiquei pensando: será que se fosse um homem no meu lugar aquela discussão acerca do cinto de segurança teria acontecido? Não lancei a pergunta a elas porque o nível de alcoolismo não as permitiria fazer essa reflexão. Mas fica aí o questionamento: as mulheres querem ser respeitadas, mas será que todas respeitam seus pares?

Ao chegar no ponto de desembarque, tivemos outro pequeno desentendimento, mas não vou me prolongar mais nesta história, caso contrário, as editoras do Crônicas irão me xingar muito no Twitter. O que ficou deste batismo traumático foi a certeza de que essa foi minha primeira e última experiência como motorista.

E, por favor, usem cinto de segurança!

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.

1 comentário

  • Bem vinda ao clube. Quanto ao ocorrido só posso dizer que senti muita raiva lendo o seu relato. Lidar com pessoas pode ser muito bom ou muito ruim. É por isso que eu gosto de cachorro.

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