Pensamentos crônicos

Estadunidense

Escrito por Guilherme Alves

Americanos somos nós. Será?

Volta e meia surge nas redes sociais uma discussão sobre se seria apropriado chamar quem nasce nos Estados Unidos de “americanos”. Afinal, América é o nome de um continente inteiro, então, pela lógica, todo mundo que nasce do Alasca até a Patagônia é “americano”. Chegaram até mesmo a cunhar um novo gentílico, o tal do estadunidense, para nos referirmos a quem nasce na Terra do Tio Sam. Como toda polêmica, essa nunca vai acabar, mas hoje eu gostaria de dar meus dois tostões furados sobre o assunto.

E, desculpem se os decepciono, mas eu acho que o certo é americanos. E acho estadunidenses feio demais.

A lógica do meu raciocínio é a seguinte: todo país tem um nome oficial e um nome costumeiro. O nome oficial é escolhido pelo governo e usado em contextos oficiais. Já o nome costumeiro surge de vários fatores sócio-político-culturais, e é usado no dia a dia.

Como eu adoro um exemplo, vamos lá: o nome oficial do Brasil, desde 1967, é República Federativa do Brasil. Mas, antes disso, era Estados Unidos do Brasil. E, da Proclamação da Independência até a da República, era Império do Brasil.

Com a maioria dos países, para obter o nome costumeiro, basta tirar essa primeira parte do nome oficial. Assim, a República Federal da Alemanha vira Alemanha, o Reino Haxemita da Jordânia vira Jordânia, o Grão-Ducado de Luxemburgo vira Luxemburgo, e a República Federal Democrática da Etiópia vira Etiópia. Mas temos as exceções, como a Grécia, que se chama República Helênica; Taiwan, que se chama República da China; e a República Tcheca, que tem nome oficial e costumeiro iguais – aliás, há anos eles tentam fazer com que outros países passem a chamá-los de Tchéquia, que é o nome costumeiro usado pelos tchecos, com alguns aceitando e outros, como o Brasil, não.

Pois bem, chegamos, então, ao país cujo nome oficial é Estados Unidos da América, e que aqui (e em vários outros países) chamamos de Estados Unidos. Mas lá a população chama seu próprio país de América – é por isso, inclusive, que existe o programa de TV Good Morning America, o Capitão América, e o Automóvel Clube da América, dentre outros. E a razão pela qual eles se referem ao país como América é muito simples: o nome costumeiro do país, para eles, é América.

Mas, Guilherme, para nós, o nome costumeiro é Estados Unidos! Sim, mas gentílicos são uma coisa meio estranha. Quem nasce no Rio Grande do Norte é potiguar, que significa “comedor de camarão”. Quem nasce em Madagascar é malgaxe, e quem nasce no Sri Lanka é cingalês. Todos esses nomes têm uma explicação que não convém colocar aqui, mas quem nasce nos Estados Unidos é americano porque, para todos os efeitos, o nome do país é América.

Mas, Guilherme, América é o nome do continente! Sim, e eu moro numa cidade chamada Rio de Janeiro capital de um estado chamado Rio de Janeiro. Aqui tem um bairro chamado Campo Grande, mesmo nome da capital do Mato Grosso do Sul. Nos Estados Unidos tem um estado chamado Geórgia, e na Europa tem um país chamado Geórgia. Não está escrito em lugar nenhum que não pode repetir.

Além disso, se quem nasce nos Estados Unidos é estadunidense, quem nasce no México também é, porque o nome oficial do México é Estados Unidos Mexicanos – e quem nasceu no Brasil entre 1889 e 1967 também era estadunidense, e depois disso passou a ser republicafederativense. E quem nasce na República Popular da China é republicapopularense. “Estados Unidos” não são um nome, são a definição do sistema pelo qual o país é formado, assim como nos outros nomes oficiais.

O problema é que, e aí eu até concordo, os Estados Unidos não são o país mais querido do mundo, e isso faz com que eles se referirem a si mesmos como americanos seja visto como arrogância, audácia ou soberba. Pode até ser, sinceramente não descarto, mas a culpa, nesse caso, é de quem resolveu colocar no país o mesmo nome do continente.

Ou de quem criou o gentílico. Assim como quem nasce na cidade de São Paulo é paulistano e quem nasce no estado de São Paulo é paulista, quem nasce no continente podia ser americano e quem nasce nos Estados Unidos ameriquense. Podiam ter pensado nisso na hora.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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