Murphy Days

Murphy Days – Maratona de Aeroporto

Escrito por Guilherme Alves

Ou: as coisas que nos obrigam a fazer para não passarmos um dia a mais em outro país.

Existe apenas um voo da África do Sul para o Brasil por dia, de Joanesburgo para São Paulo. Em 2016, eu e minha esposa estávamos na Cidade do Cabo, e, como moramos no Rio de Janeiro, para voltar teríamos que pegar três voos no mesmo dia. Os horários eram folgados: o voo da Cidade do Cabo decolaria às 6h da manhã, com previsão de chegada às 8h em Joanesburgo com o segundo voo decolando às 13h, e ainda chegaríamos em São Paulo com umas três horas para esperar antes de pegar o voo para o Rio de Janeiro.

O que não contávamos era que, depois que todo mundo já tinha embarcado na Cidade do Cabo, o avião taxiou na pista, se preparou para decolar e… voltou para de onde havia saído. O comandante, então, explicou que um dos instrumentos estava com defeito: um termômetro, que, com o motor desligado, indicava que ele estava superaquecendo. Segundo ele, não havia problema em decolar assim, mas eles preferiam consertar porque, se superaquecesse mesmo durante o voo, não teriam como saber.

O problema foi que o conserto demorou. Muito. Decolamos quase às 11h, o que faria com que chegássemos em Joanesburgo em cima do laço. Durante o voo, por várias vezes tanto o comandante quanto as comissárias de bordo tranquilizavam quem iria fazer a conexão (segundo uma das comissárias, 18 pessoas), dizendo que, assim que chegássemos ao aeroporto de Joanesburgo, uma funcionária da South African Airlines nos acompanharia durante todo o processo, para que não perdêssemos a conexão.

Assim que o voo pousou, as comissárias de bordo pediram para que os demais passageiros dessem prioridade para quem ia fazer a conexão. De fato, assim que a saída do voo foi autorizada, somente quem ia fazer a conexão se levantou, pegou suas bagagens de mão e saiu do avião. Já do lado de fora, a tal funcionária da South African Airlines nos esperava com uma prancheta na mão. Contou todo mundo do grupo e, quando viu que éramos 18, falou “let’s go“.

E saiu correndo.

Tipo, muito, mas muito rápido.

Tipo, como se estivesse correndo numa prova das Olimpíadas.

A maior parte do grupo saiu correndo atrás dela, mas minha esposa estava usando sandálias de salto alto, e, logo, um pequeno grupo ficou pra trás, composto por mim, ela, um casal de peruanos e uma outra moça brasileira. A cada curva que a gente fazia, o grupo da frente estava mais longe. E o aeroporto era, sem exagero, imenso. Teve uma hora em que, descendo uma escada rolante, correndo enquanto repetíamos “excuse me”, vimos que o outro grupo já estava no andar de baixo, lá na frente. Depois tivemos que subir uma escada, e vimos o grupo no andar de cima, correndo na direção contrária.

Quando finalmente chegamos ao detector de metais, o outro grupo já tinha passado, e tivemos que pegar a mesma fila que todo mundo. Fomos encaminhados os cinco para o mesmo detector – que quebrou bem na hora em que o peruano, o primeiro do nosso grupo, ia passar. Os funcionários do aeroporto não nos deixaram mudar de fila, e ficaram chutando o detector até ele voltar a funcionar.

Quando chegamos ao controle de passaporte, o outro grupo estava lá, mas lá na frente, numa fila imensa, junto com todo mundo que estava saindo do país, na qual tivemos de entrar no final. Passamos, ganhamos o carimbo, e fomos ver na passagem qual era o nosso portão: A11.

Imediatamente após o controle de passaporte, havia uma placa com a previsão de tempo, caminhando, para se chegar a cada portão. Apontando para a esquerda, ela dizia “A1 a A10: 5 minutos”. Apontando em frente, ela dizia “A11 a A30: 30 minutos”. Lembrando que o voo decolava às 13h, e já eram tipo 12h50.

Mais uma vez, saímos correndo como maratonistas, minha esposa e a peruana já descalças. Passamos por infinitas lojas, parecia que estávamos correndo dentro de um shopping. A todo momento apareciam placas – 20 minutos, 10 minutos -, até que uma mandou virar à direita, avisando que o portão estava a 5 minutos. Quando fizemos a curva, vimos o portão A11, e, na frente dele, a funcionária da South African prima do Usain Bolt, acompanhada de um rapaz, ambos nos chamando e torcendo, gritando coisas como “vamos, vocês conseguem”. Finalmente chegamos ao portão. Embarcamos, esbaforidos, minha esposa teve uma crise de choro, uma das comissárias de bordo nos trouxe garrafinhas d’água e a ficou consolando, dizendo “calma, vocês conseguiram”.

Ufa! Deu tudo certo!

Calma, ainda não acabou. Quando chegamos aos nossos lugares, tinha um cara sentado no meu assento. Falei com ele em inglês, e ele fez gestos de que não estava entendendo. Apontei o número na minha passagem, apontei o número em cima da cabeça dele, e ele me mostrou a passagem dele. Meu lugar era 35C, o dele era 35G, lá do outro lado. Ele foi pro lugar dele, sentamos, apertamos os cintos e começaram os procedimentos de decolagem.

Dez horas depois, pousamos em São Paulo. Nós, porque a mala, não. Na correria para trocar de voo, não deu tempo de trocarem as bagagens de avião, e as malas de todas as 18 pessoas do grupo ficaram em Joanesburgo. Após algum tempo discutindo com os funcionários de Guarulhos, que não faziam a menor ideia de que isso havia acontecido, essa informação chegou, e todos fomos preencher formulários para podermos receber nossos pertences. Os peruanos ficaram especialmente chateados, porque ainda iam fazer uma conexão internacional, mas quem ficou mais revoltado foi um cara que estava vindo da Tailândia com escala em Joanesburgo, e não era do nosso grupo. Acho que a dele sumiu mesmo.

Enfim, após a moça da Receita Federal e o rapaz do check-in perguntarem por que não tínhamos mala, conseguimos embarcar para o Rio de Janeiro e chegar em casa. Quatro dias depois, recebemos nossa mala, intacta. Dentre as muitas lembranças que trouxemos, essa história.

Que hoje a gente conta e dá risada, mas, se eu pudesse escolher, preferiria não ter corrido tanto.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

1 comentário

  • Como eu e minha esposa já passamos por isso, sei como é, a diferença é que foi em vôo doméstico. Valeu filho.

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