Amor é prosa Pensamentos crônicos

Amor de quatro patas

Escrito por Bruno Zanette

Quando um sentimento é colocado à prova, diante de uma quase fatalidade.

Existem várias formas de demonstrar e expressar o amor. O sentimento não se restringe somente às pessoas. É possível amar um livro, um filme, uma música, a vida… O universo de possibilidades é amplo, muito amplo. O que dizer, então, do amor por um animal de estimação? Eu não conhecia a intensidade desse sentimento pelos meus, até acontecer algo completamente inesperado.

Final de semana de feriado prolongado e um dos meus três pinschers, o Gil, começou a passar mal. Só ao pegá-lo no colo, ele gritava de dor. Algo não estava certo. Teve um pouco de vômito e tremia de forma constante. Cheguei a pensar que pudesse ser problema de estômago, algo que tenha comido e não desceu bem. Dei algumas gotas do medicamento conhecido como Dipirona, na esperança de que resolvesse, até levá-lo ao veterinário no primeiro dia útil após o feriado, numa terça-feira.

Na manhã do dia marcado, veio o susto. Uma das suas patas traseiras travou. Algo definitivamente não estava certo. Levei-o à clínica, com a primeira suspeita de que pudesse ser alguma fratura na perna. Ao longo do dia, a outra pata traseira travou e ele, com apenas quatro anos (que para cachorros deve dar quase uns 30 na idade humana) não conseguia mais andar. Quando tentava, arrastava-se com as patas dianteiras.

O exame de raio-x constatou uma lesão na última vértebra da coluna, e essa lesão causou uma hérnia de disco. Não faço ideia como tenha sido causada, mas tenho algumas suspeitas. Minha casa é em terreno aberto, um sítio. Por vezes aparecem motos de entregadores, do funcionário da companhia de energia para trazer a conta de luz, enfim. E, por alguma razão que só os cachorros poderiam explicar, eles detestam motos. Talvez, numa dessas vezes, para se livrar das investidas de um bichinho que mais parece um rato, algum desses motociclistas tenha dado um chute, proposital ou não, e esse chute acertou o Gil. Essa é minha teoria, sem comprovação alguma. Apenas a palavra do veterinário de que o tipo de lesão foi causada por algo ou alguém. Se de fato foi isso e a pessoa que causou esteja lendo esse texto, saiba que dor de barriga não dá apenas uma vez.

Imediatamente após o diagnóstico, iniciei o tratamento com a medicação recomendada. Dois xaropes a cada 12h e uma cápsula diária. O período seria de dez dias, mas se em 48h não apresentasse melhora, seria necessária a cirurgia. Não apresentou. Mesmo ele continuando a se alimentar, beber água, e até em alguns momentos latir, incentivado pela irmã Lara e a mãe, Meg. O problema é que sem apoio nas patas traseiras, ele perdeu o controle da urina e também tinha dificuldades para defecar.

Apesar da lesão, ele não perdeu a sensibilidade nas patas traseiras e no rabo. Isso era um ótimo sinal, de que a cirurgia tinha grandes chances de sucesso. E olha, não foi nada fácil ver aquela imagem de um animalzinho tão enérgico e cheio de vida, no alto do seu 1,6 kg de pura fofura, tentando se arrastar para se locomover. Foram poucas as vezes que vi, pois evitava deixá-lo fazer esforço, morrendo de medo que a lesão se agravasse. Outra cena que me cortou o coração foi a da posição dele sentadinho, com as patas traseiras esticadas para frente. Quando os cães têm a coluna boa, eles jamais sentam assim, as pernas ficam dobradas.

Poucas vezes passei por tamanha aflição, quanto à da noite da cirurgia. Acho que a última vez que me vi assim foi com o meu falecido pai, nos últimos dias de vida. Não conseguia me acalmar enquanto não tivesse notícias, e positivas de preferência. Começo a compreender quem opta em não ter filhos. Um dos motivos certamente está nisso, nesse sentimento de invulnerabilidade, de não poder fazer algo, de nos sentirmos inválidos. Se por um cachorro a gente já fica assim, imagina por uma criança, ser ainda mais indefeso. Não é egoísmo quando se trata de algo que só afeta unicamente a nós mesmos. Egoísmo é outra coisa.

Para o meu alívio, a cirurgia foi um sucesso e ocorreu tudo bem. Agora vem o período do pós-operatório, tão importante. Verdadeiro recomeço, reaprendendo a andar e correr por aí. Além de parcelar esse gasto nada planejado na pandemia. Nessas horas, nem pensamos em valores. Se necessário, buscaria vaquinha na internet, algum jeito daria para arrecadar a grana. Não há dinheiro no mundo que pague esse sentimento chamado amor. Não importa pelo quê ou por quem, pois são todas válidas as formas de amar.

Sobre o autor

Bruno Zanette

Jornalista nascido e formado em Foz do Iguaçu-PR. Adora falar e contar histórias, por isso o rádio foi veículo onde mais trabalhou. Mas é na escrita onde costuma se expressar melhor. Gosta de um bom rock, livros, filmes e esportes (assiste bem mais do que pratica). Torce e sofre pelo Grêmio, não exatamente nessa ordem. Apesar de bem-humorado, gosta de piadas de humor bem duvidoso, e acha que a melhor maneira de rir é de si mesmo. Por isso, acredita que a própria vida poderá servir de inspiração para boas crônicas e contos. E tudo o mais que vier na telha para escrever.

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