Canto dos contos

O Guerreiro e o Tempo

Escrito por Guilherme Alves

Após anos de batalhas, ele percebeu que talvez seu pior inimigo fosse seu corpo.

Sentia a espada pesar em sua mão. Sabia que um dia essa sensação chegaria, mas ainda assim não a achava natural. As batalhas já não tinham o mesmo sabor. Já não sentia o mesmo entusiasmo em ver tombar seus oponentes. Prestar atenção redobrada para compensar seus reflexos, já não tão velozes, tirava parte da graça da ação. Suportar o peso de sua própria armadura era argumento suficiente para se proteger menos.

Mas ainda lutava. Era o que sabia fazer. Era o que fazia melhor. Foi para isto que nascera. Desde cedo se deliciava com as histórias dos mais velhos, sentia o impulso que o afastava de casa rumo às torres, às cavernas, aos covis dos dragões. Mesmo contra a vontade da família, alistara-se no exército. Após algumas guerras, decidira tornar-se mercenário, pois ainda não havia encontrado os tesouros que almejava. Depois, aventureiro, buscando construir para si uma carreira de histórias como aquelas que os mais velhos contavam. E então, ao retornar famoso para sua cidade, fora convidado para comandar seu próprio destacamento. Um ciclo que se fechava.

Mesmo comandando, não conseguia ficar de fora das batalhas. Ainda sentia o impulso que o guiava para a luta. Mas derrubar seus inimigos era cada vez mais difícil, cada vez mais doloroso, não para sua alma, mas para seu corpo, que progressivamente apresentava os sinais da idade. E agora, ali, por alguns instantes, detinha-se em pensamentos, em meio a sons de digladio, gritos de guerra e sangue espirrando, como se houvesse se retirado daquele cenário, imune a seus efeitos, um observador externo imerso em seus próprios pensamentos. Sabia que chegaria o dia em que teria de se afastar daquilo que lhe dava mais prazer, simplesmente por não mais conseguir fazê-lo.

Ao retornar de sua própria mente, viu seu contingente reduzido, seus homens olhando-o como se procurando motivação para uma batalha que talvez não pudessem vencer. Olhando em volta, viu que já eram minoria, e que o inimigo avançava com gana ainda maior, buscando a vantagem da situação que se apresentava.

Diante disso, só havia uma coisa a fazer. Brandindo sua espada, inflamando seus comandados, se lançou mais uma vez à batalha, ignorando a desvantagem numérica, caminhando por sobre os cadáveres dos que haviam perecido. Tornar-se um deles já lhe parecia mais atraente do que ficar sentado em uma taverna contando histórias aos mais moços. Com ânimo renovado, seus comandados o seguiram. Por um momento, os oponentes pareciam amedrontados, como se não esperando tal reação. A batalha reiniciou, ainda mais furiosa, cada um dos seus tendo de lutar por dois, por dez, se quisessem vencer.

Mas, para ele, tanto importava retornar em glória ou morrer em batalha. Qualquer dos dois seria triunfo.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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