Canto dos contos

Coisas boas vêm para aqueles que persistem

Escrito por Guilherme Alves

Reginaldo vivia uma vida comum em seu apartamento comum. Mas, naquele dia, ele passaria uma tarde bastante incomum.

Reginaldo chegou da rua e jogou as chaves sobre a mesa. Inexplicavelmente, uma delas se soltou do chaveiro e caiu atrás do sofá. Após xingar os palavrões costumeiros para esse tipo de situação, Reginaldo pôs-se a arrastar o sofá para encontrar a chave. E percebeu que o rodapé estava meio solto.

Após xingar os palavrões costumeiros por achar que eram cupins, Reginaldo decidiu dar uma balançadinha no rodapé para ver o tamanho do estrago, e acabou descobrindo que se tratava de um rodapé falso. Atrás dele, um compartimento secreto. Algo que Reginaldo jamais imaginava que pudesse existir em seu apartamento comum, num bairro comum, de uma cidade comum.

O espaço era escuro demais para que Reginaldo enxergasse o que havia lá dentro, porém, e ele não iria enfiar a mão sem saber se seria mordido por um rato ou coisa assim. Decidiu buscar uma lanterna, e descobriu que não tinha pilhas. Após xingar os palavrões costumeiros, se lembrou de que hoje em dia todo celular já vem com lanterna, e riu por se achar um tanto imbecil. Agachando-se atrás do sofá, na posição na qual Napoleão perdeu a guerra, Reginaldo ligou a lanterna do celular e pôs-se a examinar sua cavidade secreta. A da parede, antes que vocês pensem besteira.

Nada de mais lá dentro, a não ser um pacote branco, envolto em fita crepe, do tamanho de um saco de um quilo de arroz. Reginaldo, como vocês devem ter imaginado, xingou os palavrões costumeiros, pois a primeira coisa que veio à sua mente foi que aquele apartamento havia pertencido a um traficante, e que aquele pacote continha cocaína, heroína, crack, metanfetaminas, ou qualquer outra droga que ele não fazia ideia de como iria descartar sem que achassem que o traficante era ele. Seu primeiro pensamento foi o de recolocar o rodapé no lugar e esquecer que aquilo tudo havia acontecido.

Mas logo a ganância tomou conta de sua mente, ao imaginar que o pacote poderia conter dinheiro. Sim, ele poderia ser branco por fora, mas seu conteúdo ser o produto da venda das drogas. Reginaldo tentou alcançar o pacote, e xingou os palavrões costumeiros quando viu que seu braço não o alcançava. Não querendo se dar por derrotado agora que achava que poderia ficar rico, foi catar algum artefato com o qual conseguiria alcançar seu recém-descoberto tesouro.

Infelizmente, nada do que Reginaldo tinha em casa era apropriado, pois, ou era curto demais, ou não tinha ângulo para entrar no buraco naquela posição em que ele estava. No buraco da parede, sempre lembrando. E aí adivinhem o que Reginaldo fez? Isso mesmo, xingou os palavrões costumeiros. Por um momento ele pensou em largar aquilo tudo pra lá, mas a curiosidade já era tão grande que ele não conseguiu, e pôs-se a tentar colocar o sofá em outra posição, para ver se conseguia alcançar o misterioso pacote.

Como o tempo voa quando a gente está se divertindo, nada menos que três horas transcorreram antes que Reginaldo finalmente conseguisse puxar o pacote para perto de si. Após xingar os palavrões costumeiros, dessa vez em comemoração, pensou em rasgá-lo de uma vez para ver o que tinha dentro, mas, lembrando-se de que poderia ser o pó maldito, decidiu colocá-lo sobre a mesa e abri-lo com cautela.

Apalpando seu pacote, aquele que agora estava sobre a mesa, Reginaldo concluiu que não era pó. Mas também dificilmente seria dinheiro. Na verdade, parecia tratar-se de um livro. Já xingando seus palavrões costumeiros, dessa vez de curiosidade quanto a por que cargas d’água alguém embrulharia um livro e o guardaria em um compartimento secreto, Reginaldo abriu o pacote e pôs-se a folheá-lo.

Era uma espécie de caderno, no qual um antigo morador do apartamento, se sentindo muito solitário, decidiu “conversar” com os moradores seguintes. Falava de sua rotina, perguntava sobre a deles, como eles estavam passando, sempre com respostas do tipo “espero que estejam bem”. Perto do final, explicava que iria esconder o livro, na esperança de que algum dos moradores seguintes o encontrasse. Na última página, junto a um agradecimento pelo leitor ter lido tudo, havia escrito “coisas boas vêm para aqueles que persistem”, e deixado uma recompensa.

Uma nota de mil cruzados.

Reginaldo pensou em xingar os palavrões costumeiros, mas havia ficado tão encantado com a leitura que tudo o que conseguiu fazer foi rir da situação.

Os palavrões costumeiros ele xingou quando se virou e viu que teria de colocar praticamente tudo de sua sala de volta no lugar.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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