Canto dos contos

O Chamado – Parte Final

Escrito por Guilherme Alves

Nossa história lovecraftiana em quatro partes chega à sua conclusão!

ATENÇÃO! Se essa é a “Parte Final”, evidentemente não é um conto fechado. Se você não leu as partes anteriores… Bem, está esperando o quê? Aqui temos a Parte 1, clicando aqui você encontra a Parte 2, e nesse link temos a Parte 3.

Foram as horas mais terríveis de minha vida. Os monstros colocaram um aparato em minha cabeça, como um capacete, que, segundo eles, extrairia a informação de que necessitavam. Se tivessem perguntado, eu responderia com prazer.

O tal capacete arranhava os ossos de meu crânio, como um sismógrafo bizarro inventado por uma mente doentia. Paralisado, não podia sequer gritar. Imaginei que, eventualmente, a agulha do engenho do mal alcançaria meu cérebro, e meu sofrimento estaria terminado. Mas isto não aconteceu. Em determinado momento, o capacete foi retirado, e algumas das criaturas conversaram em uma língua que nem no Inferno eu desejaria ouvir. Alguns deles, diante de meus olhos, injetaram em si mesmos uma espécie de droga, e assumiram formas humanas. Um careca baixinho. Um adolescente. Uma loira atraente. Horror e mais horror.

Pelo que pude deduzir, eles iriam ao meu apartamento, atrás do livro. Deviam ter pego as chaves e outros pertences em meus bolsos. Não imagino por que simplesmente não assumiram a minha forma, o que faria com que fosse muito mais fácil enganar o porteiro. Talvez não pudessem escolher.

Uma das criaturas, suponho que a mesma que falara comigo horas antes, entrou na sala. Fitando-me, esboçou um sorriso grotesco, e, para meu terror, pôs-se a falar novamente.

Aproveite, humano, os últimos dias de seu patético domínio deste planeta. Impérios caem, esta é a verdade. Está chegando o dia em que o império dos humanos cairá por vontade dos Grandes Antigos. Nosso mestre, o Grande Cthulhu, apenas espera nosso sinal para erguer-se e acabar com seu sofrimento. Seremos uma raça grande novamente. O Grande Cthulhu voltará a reinar, como era antes dos humanos, e como nunca deveria deixar de ter sido.

Você tem muita sorte, humano. Normalmente, em uma ocasião como esta, o mataríamos, para que nunca volte a ocorrer o acontecido com o escritor do livro. Mais um, menos um dos desprezíveis enxeridos não fará falta a um planeta que possui sete bilhões de parasitas. Mas o Grande Cthulhu está generoso. Ele determina que você viva, para ver o início de seu majestoso reinado. De posição privilegiada, ele pede para ressaltar.

Portanto, assim que recuperarmos o livro, e qualquer outra evidência de nossa existência, estará livre para partir, sob uma única condição: viva até o fim de seus dias sem revelar uma única palavra do que viu ou ouviu, pois lembre-se de que nossos agentes se encontram onde menos imagina, e os momentos que passou com nosso Coletor de Informações parecerão um agradável piquenique comparados à morte que espera quem trai ao Grande Cthulhu.

E assim foi. Alguns tenebrosos momentos depois, senti nova picada, e adormeci. Acordei na estrada, de onde havia saído para encontrar a fatídica pegada. Era noite. Meu carro estava intacto, embora eu não soubesse quanto tempo tenha ficado na cidade dos monstros. Voltei para casa.

O porteiro me cumprimentou, mas não disse palavra sobre os eventuais estranhos que tivessem entrado em meu apartamento. Também não quis perguntar.

Meu apartamento estava ainda mais bagunçado do que o deixei. Parecia que eu tinha sido assaltado. Roupas, livros, tudo revirado pelo chão. O livro que adquiri no sebo, bem como as fotos e o molde de gesso da pegada, logicamente, haviam desaparecido. As cortinas da janela que mostravam o agora ainda mais macabro morro haviam sido arrancadas, o que me obrigava a olhar para aquele terror. Exausto, comi um sanduíche e adormeci.

Durante o sono, novamente a Criatura, o tal de Grande Cthulhu, saía de seu descanso para comer meu prédio. Embora agitado como sempre, este sonho fora bem menos desgastante. Talvez já estivesse me acostumando com toda essa insanidade. Ao acordar, olhei para o morro, mas a sensação era diferente. Não mais pavor, mas um misto de deslumbre e ansiedade.

Abri a porta apenas o suficiente para que o porteiro me entregasse o jornal. Ainda estava tudo revirado, e eu não queria ter de responder a perguntas. Ao olhar a primeira página, o pavor retornou a meu ser. Um horrível acidente automobilístico. Um caminhão-cegonha, daqueles que levam carros para as concessionárias, acertara em cheio um carro popular. Os quatro ocupantes morreram na hora. Eram minha ex-namorada, seu atual namorado, e o casal de amigos que nos acompanhava naquele passeio no qual acabamos por encontrar a pegada. Poderia ser apenas cisma, mas, olhando para o rosto do motorista do caminhão, que nada sofrera, na foto do jornal, poderia jurar que ele tinha os mesmos olhos das criaturas que me mantiveram cativo.

Decidi ir à janela e olhar a rua. Aos poucos me dava conta de que jamais conseguiria olhar para outra pessoa sem imaginar que pudesse ser um deles. Um pensamento me assaltou: talvez meu porteiro também fosse um deles, o que explicaria ele não ter denunciado três pessoas estranhas vindo ao meu apartamento e saindo com fotos, um livro e um molde de gesso.

Levantando o olhar, imaginava como viver em um mundo no qual se teme a todas as outras pessoas. Como viver sabendo que os dias estão contados, e que, de repente, aquele morro “chocará”, e dele sairá o Grande Cthulhu, para trazer minha morte? Foi quando fitei o morro.

E, ao fitá-lo, compreendi o que sentia. Não era pavor. Não era ansiedade. Não era deslumbre. Era um chamado. O morro me chamava. O Grande Cthulhu me chamava.

Atendendo a seu chamado, saltei para alcançá-lo.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

1 comentário

Comente! É grátis!