Canto dos contos Mesa de bar

Conto de bar

Escrito por Leandro Duarte

Um bar sujo e falido, perdido no tempo e no centro da cidade.
Cachaça barata, cerveja gelada e bolovo.
Local perfeito para grandes acordos.

Era uma rua lateral, pouco movimentada. Algumas poucas casas caindo aos pedaços, apenas aquele trecho de rua ainda resistia ao avanço imobiliário naquela região central da cidade.

Pensando bem, por que não vendem logo aqueles barracos?

Não haviam mais crianças naquela área. O último menino a brincar naquele lugar já era infeliz em seu segundo casamento, e não voltaria naquele lugar por nada.

O sexto imóvel, à esquerda de quem vem da avenida, era o saudoso Bar da Dona Doca. Era um bar com mais de meio século de vida, resistindo de forma não tão gloriosa, mas resistindo.

Em meados dos anos 80, ainda sob a gerência da Dona Doca, o bar viveu seu período de maior glória. O bar vivia cheio, a música era sofrível, mas sempre estava lotado. Nessa época, seu público era basicamente formado por três tipos de pessoas: operários das já crescentes obras de infraestrutura da região, velhos infelizes com a velocidade com que a vida passa, e prostitutas, se aproveitando dos velhos e sendo abusadas pelos operários. Tudo em perfeito equilíbrio.

Dona Doca não dava conversa a ninguém, nem aos operários, nem às putas, muito menos aos velhos infelizes. Era possível ver nos seus olhos a diversão em ver aquele ciclo vicioso em que os velhos abusavam do álcool, as prostitutas abusavam dos velhos, e os operários abusavam do álcool e das putas. Dona Doca lucrou por anos com esse teatro. Deixemos essa senhora para outra oportunidade.

Atualmente, no Bar da Dona Doca, sobraram apenas os velhos, que já não abusam do álcool como antigamente. O Bar já não guarda qualquer relação com sua fundadora. Após a morte de Dona Doca, num terrível acidente envolvendo gatos e água fervente, o bar foi comprado pelo Sr Joel. Antigo frequentador e nostálgico do antigo bar em que abusava das prostitutas, ele hoje administra com bom humor aquele negócio falido.

O bar da Dona Doca, de Sr. Joel, cheira a bode molhado, típico boteco do centro da cidade. Sujo, desagradável, cerveja gelada e bolovo. Sem putas, sem operários, apenas velhos. É de um desses velhos que vim falar.

Não sei o nome deste velho, seu vulgo é Presidente. Está sempre lá, na mesma mesa de sempre. Um copo de Velho Barreiro com limão e uma Antarctica. Desde sua posse, a mesa 7 jamais foi vista sem qualquer um desses itens. O velho, o Velho e a Antarctica.

Segundo Sr. Joel, o velho era chamado assim desde que se auto proclamou presidente da mesa 7, aquela mais próxima à porta de ferro. Ele era o presidente, só ele e seus convidados tinham acesso à mesa 7. Mesmo o Sr. Joel pedia autorização até mesmo para limpar a mesa do velho Presidente de tempos em tempos.

O velho Presidente recebia poucos convidados. Segundo Sr. Joel, só sentavam à mesa com o Presidente aqueles com audiência marcada. Quem marcaria de falar com um velho bêbado?

O Presidente tinha uma audiência marcada para aquela quarta-feira às 15h45, e pediu a Sr. Joel que, assim que Beto chegasse, o direcionasse à sua mesa de despachos. Beto foi pontual e foi levado à presença do Presidente.

_ Prazer, Eu sou o Diabo. Você deve ser Beto, correto? – Falou o velho Presidente com um sorriso bom e sincero.

Beto acenou positivamente, e o presidente o pediu pra sentar. Joel ouvia tudo intrigado e com medo do novo título reclamado pelo velho presidente, mas voltou pro seu balcão e suas moscas.

O velho Presidente, ou Diabo, encheu com nervosismo o copo de Beto, mandou que bebesse e continuou a falar, agora com aparente urgência:

_ Preciso que seja rápido e silencioso, vai ser bom para os negócios. Preciso que seja limpo, rápido e indolor – Beto pareceu ter sido previamente informado do que iria tratar com o Diabo, em nenhum momento contestou o velho.

O Presidente tirou do saco um pacote em papel pardo, molhado de suor e que ainda assim cheirava melhor que o Bar da Dona Doca, do Sr. Joel.

Beto pegou o pacote, virou seu copo de Antarctica, tomou o Velho Barreiro com limão das mãos do velho Presidente, e atravessou a rua. De frente para o bar, abriu o pacote e tirou de dentro dele um .38 enferrujado, com duas balas apenas. Só precisava de uma delas.

Posicionou o tambor para disparar a bala que lhe pareceu menos enferrujada. Posicionou o velho revolver embaixo do próprio queixo. E disparou. Click – a melhor bala falhou.

Desacreditado com as condições da segunda bala, Beto puxou novamente o gatilho e o muro cortiço que ficava em frente ao bar ficou vermelho. Sangue e alguns pedaços de seu crânio e cérebro decoraram o cortiço.

Assustado, Sr. Joel gritou pedindo ajuda. De seu palácio na mesa 7, Presidente diz:

_ Cala essa boca, Joel. Seja homem. O garoto volta logo. Diga que o espero em minha mesa. Traga mais um Velho com limão, por gentileza.

Sobre o autor

Leandro Duarte

Leandro, 33 anos, ganha a vida em projetos e TI, talvez por isso sem a menor paciência para toda essa bobagem nerd e cultura pop. Em resumo, inadequado. Grande demais para a poltrona do ônibus de todos os dias.
Pequeno demais para sorrir de tudo. Velho demais para um banho de chuva; muito novo para temer o resfriado. Direto demais para a palavra escrita, e de menos para se fazer compreender. Humano demais para viver de tecnologia. Humano de menos para largar tudo. Comunista demais para os dias de hoje. Comunista de menos para o que é preciso ser feito.
Mesmo inadequado, segue peleando. Como era de se esperar, falhando miseravelmente.

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