Desacato

As lives, as explosões de fogo e a mula ranhenta

Escrito por Leandro Duarte

Enquanto geral assiste à live do seu artista predileto, a terra cospe fogo e a mula baba ignorância.

Olá, meu querido, minha querida. Nosso mundo em reclusão tá cada vez mais louco, né?

A semana que se passou foi recheada das chamadas lives. Artistas de todos os gêneros, através de patrocínios generosos, bastante álcool, líquido e em gel, e um lucrativo aplicativo de transferência de valores, protagonizaram shows completos de várias horas através desta malcheirosa rede mundial de computadores.

Geral reclusa vibrou em casa vendo malandro ficar bêbado ao vivo, falando merda e cantando mal, isso sem falar das estruturas montadas: o cara se apresenta de casa em nome do distanciamento social, mas traz pra dentro de casa equipes faraônicas, cenários, equipe de som e vídeo, garçom com máscara pra repor o álcool líquido de suas taças… A reclusão tem nos feito relativizar muita coisa.

Quem sou eu pra condenar o ato de ficar bêbado, ou mesmo falar merda e cantar mal? Mas, porra, cantar não é o trampo desses filho da puta? Vou eu aparecer na conferência da firma, programando bêbado e falando merda pra ver o que acontece. Enfim, como bom hipócrita que sou, também me diverti assistindo a esse show. Aposto que você também, ou no mínimo está esperando ansioso aquela livezinha maneira prometida pra essa semana. Não esquece de instalar o app pra colaborar com a pilantropia do artista.

BOOM! Estava eu assistindo a uma dessas lives aí de cima, desligado do mundo deserto lá fora, e na Indonésia explosões lindas e assustadoras coloriram a paisagem. Me vi raptado por algum tempo apenas vendo vídeos em looping do momento da erupção do Anak Krakatoa.

Curiosamente, havia lido há poucos dias sobre a mítica explosão do Krakatoa pai em 1883. O poder desse tipo de evento é fascinante, e nos coloca de volta em nosso lugar de direito, uma poeira cósmica, que por acidente evolutivo, começou estupidamente a achar que era mais importante que a bosta do cavalo do bandido. Não somos! E como eram lindas as imagens da terra cuspindo fogo. No fim das contas, esse evento não foi tão destrutivo quanto poderia ser. Vem, meteoro, você é nossa última esperança.

A Mula ranhenta segue bostejando pra lá e pra cá, é a prova viva de que a natureza precisa ser mais incisiva conosco, não dá pra conviver com esse tipo de poeira cósmica, ranhenta e irresponsável.

O presidente dessa terra que não tem vulcão, nem terremoto, nem porra nenhuma que possa nos salvar de forma rápida, vai a uma porcaria de uma padaria, todo mundo com a bunda pregada no sofá pra tentar não ser babaca, e o presidente vai a porra de uma padaria tomar café e comer um salgado. Eu tento não ligar para as merdas que esse cara faz, mas, caralho. E a massa de poeira merecedora de extinção aos gritos de mito celebra o absurdo.

Depois disso, em visita a uma instalação de hospital de campanha para atender a doentes do vírus que não existe, limpa o nariz no braço, abraça os fãs, recebe beijos e abraços da multidão que o segue. O ministro olha de longe, reconhece a burrice e não pode fazer nada, tem medo dos coices da mula ranhenta, dos coices e dos apertos de mão, imagino. Que ódio desse verme.

Vem, meteoro. 2020 foi feito pra você, quebra essa pra gente, nunca te pedi nada.

Sobre o autor

Leandro Duarte

Leandro, 33 anos, ganha a vida em projetos e TI, talvez por isso sem a menor paciência para toda essa bobagem nerd e cultura pop. Em resumo, inadequado. Grande demais para a poltrona do ônibus de todos os dias.
Pequeno demais para sorrir de tudo. Velho demais para um banho de chuva; muito novo para temer o resfriado. Direto demais para a palavra escrita, e de menos para se fazer compreender. Humano demais para viver de tecnologia. Humano de menos para largar tudo. Comunista demais para os dias de hoje. Comunista de menos para o que é preciso ser feito.
Mesmo inadequado, segue peleando. Como era de se esperar, falhando miseravelmente.

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